quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Presas pelo estômago

No século passado, as criancinhas temiam algumas coisas: Deus, pai e mãe, injeções, homem do saco e repetir de ano. Isso mesmo! Tomava-se bomba nos tenros anos chamados de primário. Repetir o ano letivo no ginásio, tinha lá um que de rebeldia, mas no primário, era coisa muito triste. Ninguém queria a pecha de burraldo. (o politicamente correto ainda era só um embriãozinho).
Com o final do ano vinha a paranóia e ela freqüentava a minha casa. Teve um ano que decidimos fugir de casa, antes mesmo da entrega dos boletins.
Iríamos morar em um buraco, escavado num terreno baldio. Só o aumentaríamos um pouco, para um quartinho. Levaríamos travesseiros, brinquedos e comida. E fomos logo tratando do estoque de alimentos (traumatizadas pela história de terror da formiga e da cigarra). Moedas contadas, compramos uma canequinha de amendoins, num embrulhinho de papel de pão. Tentação, teu nome é amendoim japonês!
_ “Vamos comer um só, tá?”
Lá pelo terceiro, vinha uma mudança nos planos:
_ “Sabe, acho que não vamos repetir, não...”
Disputávamos o título da filha adotiva (apesar das pessoas acharem que éramos gêmeas).Somente a legítima adotiva parte em busca dos verdadeiros pais! Quem sabe ricos? Em algum lugar havia um quarto rosa e bonecas cantantes à espera da herdeira.
As fugas eram planejadas quando minha mãe ia para o centro da cidade.
_ “Sim, é hoje!”. Mas, a saudade da falsa mãe já crescia no peito.
_ “ Nada de arte, heim! Quando eu voltar um trago um docinho”.
Além do beijo estalado, quem sabe um tablete de diamante negro ou cocoquinhos açucarados?
Trepava no muro e dava tchau , até ela desaparecer ladeira abaixo.
Coração pulando corda:fogo, fogo, foguinho....
Nos olhávamos cheias de medo e esvaziadas de motivo. O cérebro criminoso de 9 anos, declarava:
_ "Vamos esperar o doce... Mas é última vez!"
_"Tá, tá". Concordava, já sentindo o gosto de mãe com chocolate.