quinta-feira, 11 de abril de 2013

COMIDA DE TREM



Não é de hoje que pego trem, ônibus apinhado, metrô, balsa e cipó.  Ônibus de viagem na estrada, lotação poucas vezes ( Obrigada meus Deuses!) e avião talvez o número das falanges das mãos e pés.  A lei da física é colocada a prova em todos eles, aquela  que diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, ou algo assim.  Às vezes para desopilar o fígado, aplacar a ira destilada ao plano de mobilidade urbana ( faz me rir) e conter o espírito de barbárie, aquele que endossa o vale tudo para conseguir entrar, sair, ou sentar (sentar é utopia), faço às vezes de antropóloga. Celulares não vou falar hoje, pois rende compêndios, tratados, manifestos, contra a própria espécie. Afinal, o propósito do blog é falar de comida.

De manhã o transporte público tem cheiro quente. Sentido na pele quando uma mochila atravancante estaciona nas suas costas. Ou nas pernas, herança familiar que impera e eu ofereço para segurar sacolas, saquinhos, bolsas com fechos dourados e as danadas mochilas. Cheiro quente de bifes, que adivinham  o feijão gelado da janta.   

Essa é a comida séria. As guloseimas são vespertinas e noturnas, na volta para casa.

Já sentiu um cheiro rosa? Cheiro rosa exala do recheio de bolachas suspeitas de crime. Crimes nutricionais , contrabando ou roubos de cargas.  Marcas que só se vê no trem  e não resistem a luz do dia ou à prateleiras  dos mercados. É claro, sabor morango! Ou do poético artifício da indústria alimentícia: frutas vermelhas. Vale tudo,  não é preciso troca ou limpeza nas linhas de produção,  só quilos de corantes e aromatizantes e toda sorte de “antes”: espessantes, conservantes, e  por aí a fora.

Vende-se de tudo: remédio para calos, balas de gengibre para tosse (mentira, é só açúcar, é claro que já comprei),  caramelos refrescantes com recheio de lichia, canela que refresca  o hálito,  anunciam os vendedores.  

Ai que tenho fome... a viagem dura duas horas, com sorte! Batatas “rufos” três pelo preço de uma,   amendoins fritos sem colesterol!  Chocolates com recheio cremoso de castanhas! O estômago revira de fome e de asco! Chocolates nunca dantes vistos à luz do dia! Só brotam nos trens e à noite! Olha o “gueitorede de crambola”,  branda o vendedor também de cervejas, água e sucos sinistros.

Verde de fome, descasco uma mexirica. O cheiro cítrico incomoda os passageiros, o salgadinho de isopor listrado imitando bacon com cheiro de chulé se ofende.

Tudo isso é lugar comum para mim, sem orgulho algum.  Mas numa tarde de domingo eu e minha marmitinha de almoço de páscoa presenciamos no metrô, linha verde, a degustação de pacotinhos de macarrão instantâneo,  crus, triturados com a bunda literalmente (os comensais sentaram sobre as embalagens, para partir em diminutos pedaços os macarrões prensados), salpicados como tempero dos sachês. Petisco pronto para acompanhar o suposto  wiskie de uma garrafa pet, servido  em copos próprios, de vidro.  Um pedante gourmet, como todos os gourmet o são, proferiu: “O tempero do miojo é melhor”. Três segundos de silêncio. “É...” atestou outro com a boca cheia de macarrão partido...

Não sou tão instantânea assim.  Até agora não assimilei a liberdade do gosto.

Ciente do meu conservadorismo,  busquei na rede e encontrei  várias receitas com macarrão cru...Mais tarde abri a geladeira e sussurrei com carinho para a marmitinha desnorteada:

_A frugalidade é dinâmica.

Ela deu de ombros. Eu também....

                                                                          

3 comentários:

Andreza Biagioni disse...

Faz me rir, Lili.
Saudades!
Bjs.

Lili disse...

Andreza, encara um miojinho com cerveja? vamos?

Preston disse...

Fantastic!