terça-feira, 13 de setembro de 2011

Nome de Batismo

Existe bicho com nome de gente, gente com nome de bicho, e apelidos que servem aos dois, o meu mesmo é um exemplo: Lili , muito comum em cachorrinhos ranhetas e pessoas um tanto. Sem problemas. Somos bichos classificadores, damos nomes às coisas. De igual forma somos bichos produtores de maravilhas e de encrencas.

As encrencas mais cabeludas quase sempre são acompanhadas de um trio: inocência, ignorância e negligência, que juntos podem causar hecatombes e extinção de espécies.

Separados e em doses menores podem causar desconforto, alcoolismo e lotam consultórios de psicólogos.

E nem os Deuses Mitológicos escapam disso. Minerva, a Deusa, que o diga. Logo ela que deu o voto de desempate no panteão mitológico, raramente foi homenageada com batismo de meninas depois que a indústria química prestou-lhe homenagem com sabão e detergente! E não para por aí, eu mesma conheci um Ajax, garoto mulherengo que assim foi batizado para homenagear, não apenas um, mas dois heróis gregos, que fatalmente ganhou o apelido de amoníaco.

Mas saindo dos domínios mitológicos. E Doriana?Nome antigo, bela sonoridade, que na caça às bruxas da manteiga, batizou a gordura hidrogenada e afetou a popularidade do nome. Continuo achando lindo.

E a perua Besta? Inspiração de tantas piadas!

Ainda bem que a Ford teve bom senso e não lançou aqui, o Ford Pinto! Para piorar situação, o carro tinha um problema: pegava fogo e causava explosões.

Dá para imaginar as notícias?

_ Um pinto em chamas causa engavetamento na marginal Pinheiros!.

Mas o que dizer da Cagaita, fruta do cerrado, que reforça no sobrenome, a maldição: Eugenia dysenterica.

Depois do Jatobá, a Mara Salles indicou a frutinha para o meu divã.

Quem souber de alguma coisa para ajudar a fruta, não precisa se preocupar, pois no divã de pomar não é antiético, não.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Papéis

Era preciso escrever um bilhete. Mas, fosse o que fosse escrito, não seria suportado por qualquer papel. A assepsia alvejada do sulfite, o cenário dos papéis de carta ou pautas definidas, não contemplariam mensagem tão angular.

Buscou papéis do passado e soube o que queria: papel de pão. O adeus escrito no papel de pão imortalizado em músicas, poesias e fofocas da vizinhança: “Escreveu Adeus no papel de pão e se foi para sempre”. Tentou lembrar-se desse e de outros papéis distantes.

O tal, do pão, às vezes fino e encerado, era disputado pela criançada muito mais para desenhos, do que para cartas de despedida, felizmente.

Em rosa inconfundível vinha a carne embrulhadinha dos açougues.

Outro rosa era do papel higiênico, que devido a sua falta de gentileza, preferiu não aprofundar as lembranças,

As bananas embrulhadas em jornal, as argentinas maçãs em ninhos de papel roxo, balas duras de mel e hortelã embaladas em papéis permeáveis.

E agora, qual papel escolher para o bilhete da sua vida? A dramaticidade do adeus e do papel de pão, o roxo perfumado de tango e juras de amor, ou folhas de bananeiras marcadas a ferro com as quenturas da carne?

Assustada com a dureza de seus veredictos e sem fôlego para as certezas, decidiu por hora escrever no vento e distrair-se com as notícias vencidas do jornal das bananas.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Bolinhos de tempestade


" O ano passado passou tão apressado
Eu sei que foi um corre-corre-corre danado

O ano inteiro eu passei sem dinheiro”...


Acordei com essa música na minha caixa craniana. Rita Lee nos discrepantes anos 80. Ai, que já acordei cansada.

Afinal essa modalidade de corrida que pratico, não revigora, não emagrece e perder-se de si é um dos seus efeitos colaterais.

Atrasada. Corre-corre-corre.

Tentei espantar o cansaço com um balde de café. A música interna foi sumindo e de repente o Sérgio Chapelin começou a narrar uma história dentro da minha cabeça (não sei por que, logo o Sérgio Chapelin):

“Há muito tempo, no coração da África, ingleses em expedição estavam apavorados diante da possibilidade de passarem a noite na selva. Assim, impuseram um ritmo desumano aos nativos que carregavam toneladas européias, durante todo o dia. Porém para o desespero dos ingleses, de repente os carregadores pararam. Ignoraram os gritos, as ameaças. Imóveis, sem descansar a carga dos ombros. Após algum tempo, retomaram a marcha com a mesma obstinação e disseram: Estávamos rápidos demais, nossas almas ficaram lá atrás, precisamos aguardar por elas, o sol já vai se por".

Foi quando me dei conta que estava sozinha, sem Sérgio (ufa!) e sem alma. Resolvi esperar a segunda chegar, comendo bolinhos de tempestade. Massa de pão aberta em tirinhas, fritas e passadas no conforto: açúcar e canela.

Simples assim. Como pude esquecer que gostava?

Cada mordida dissolveu um pouco o cansaço, mas a alma birrenta veio devagar, molengando. O bolinho feito pela minha mãe foi fisgando tantos outros gostos esquecidos. Carboidratos anímicos. Gostos possíveis, quase extintos!

Bolinho de tempestade findos, veio a bonança

Tênis calçados, corrida agora com alma e com gosto..

Afinal a Rita continuou:


...“Nem sempre tem vento

Mas sempre tem jeito pra dar...”

Letra e música na íntegra:

http://www.youtube.com/watch?v=uTcfSSkE9Ao




segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Vingança do Jatobá

foto: Neide Rigo do blog Come-se

Jatobá comi uma vez, ainda com dentinhos de leite. Tentei gostar, pois gostava do tio que trouxe a frutinha esquisita com tanta animação, mas que nada! Meu cotidiano farto de laranjas e comedido de maçãs, não sustentou a textura inédita e o cheiro de chulé.

Cresci alheia à saga dos Jatobás, sem me interessar pelos seus dotes culinários. Mas, mesmo assim, recebi esses dias, um email de um Jatobá deprimido. Contava-me que a despeito de suas possibilidades gastronômicas, continuava a ser ridicularizado por árvores das espécies que dão frutos cheirosos, coloridos e suculentos. Beldades acostumadas com os flashs das grandes festas. Contou-me que no farfalhar das folhas, sussurram: Fedegoooooso! Fruto feio! Vangloriam-se de suas origens do além-mar e de sua relação íntima com chefes famosos. O bom Jatobá de madeira forte e farinha polivalente confessou-me: _ “Ai, que me falta glamour!”. Foi de partir o coração!

Numa conspiração do destino, no evento Paladar desse ano, as alquimistas Ana Soares, Mara Salles e Neide Rigo em sua aula de invólucros naturais, apresentaram entre as inúmeras bonitezas das folhas e palhas, uma caixinha de jóias comestíveis. A vagem do Jatobá cortada com esmero abrigava três suspirinhos feitos com sua farinha. Carpintaria da perfeição em marrom profundo com amarrilho natural. É claro que arrancou palmas da platéia e delírio do Senhor Jatobá, uma cinderela vingada!

As caixinhas se tornaram objeto de desejo, resisti ao ímpeto de furar a mão de alguém com o garfinho de madeira, para garantir a minha. Faltou-me coragem, de forma que fiquei sem.

Recebi mais emails, alguns dizendo que depois disso o Senhor Jatobá está insuportável e outros dizendo que existem outros frutos clamando por seu dia de princesa.

Alguém se habilita?



domingo, 27 de março de 2011

Bananinhas

Em respeito a minha formação religiosa continuo a confessar-me...eu não amo as bananinhas de Paraibúna. Não as de Paraibuna em particular, mas as bananas passas em geral. Nunca as compro, porém, nas paradas de beira de estrada, tenho uma ataque epifânico e acho que não posso viver sem elas. Mesmo que não as compre, pego os pacotinhos e disparo com ares de conasseur afetada:

_Hum! Essas bananinhas são ótimas. E isso é tão verdadeiro que até eu me convenço ...

Voltávamos de uma viagem penosa...falidos, cansados e fedidos. Eu e meus dois amigos.

Eu dividia o banco traseiro de uma charanga de locação, com papeladas socadas em horríveis sacos pretos, malas e cabides que tentavam em vão, proteger a lisura das camisas que um dia foram alisadas a ferro quente.

O Capeta havia decido não apenas comandar o trânsito, como bafejar sobre asfalto, derretendo quase tudo... É certo que nosso otimismo perante a vida estava bem amolecido, amorfo...

Guardando a tradição que acomete os viajantes de alma atribulada, na entrada da marginal de São Paulo, sob as pontes e acima do rio injustiçado, prostavam-se todos os pensamentos relativos a contas atrasadas e balancetes da forma de se tocar a vida.

Mas a exemplo das bananinhas de Paraibuna que guardaram sua textura e dulçor mesmo sob condições adversas, nosso humor politicamente incorreto, arrancou-nos gargalhadas de todos os tipos: das feiúras do corpo e da alma, involuntárias ou opcionais, de desconhecidos ou familiares e principalmente de nós mesmos.

Nós e as bananinhas, enganamos a Esfinge, protetora dos oráculos. e novamentre somos metropolitamos. Afinal, decifrar ou ser devorado, neste caso, era quase a mesma coisa.

terça-feira, 22 de março de 2011

Pão

Devo confessar: minha relação com o pão vai muito além da manutenção das forças cotidianas. Sagrado sim, mas da mesma forma como sacralizo todos os meus outros prazeres. Amo pão. Pão se banca: não se intimida diante de louças sofisticadas: pede mãos, ignora prataria dos talheres, impõe tato. Partido em pedacinhos ou nacos, dos dedos à boca, resgatando por vezes, o molho que clama no prato!

Mas não se engane, pães não são tão inocentes assim. Tem lá seus truques para disfarçar o resultado do emprego de matéria-prima ordinária e relacionamentos ruins, como: falta de habilidade, negligência e até maldade de quem preparou a massa. A fada madrinha dos pãezinhos ruins é a temperatura. Mágica efêmera. O pãozinho ruim tem apenas dez minutos para ser comido com status de gostosíssimo. A sedução começa pelo olfato. Dificilmente alguém é indiferente ao perfume de pão quentinho. Quesito democrático: pães bons e ruins, quando quentes tem o mesmo aroma. A regra de dupla textura: casca crocante e miolo de exata maciez, quase passa despercebida. Vapor quente que derrete lascivamente a manteiga. Bem, quando tudo se esfria, fica claro quem é quem. Quase como gente.

Tudo isso passava pela minha cabeça, enquanto comprava os pãezinhos na padaria perto de casa. Infelizmente seus os francesinhos só me despertam êxtase ,sob a benção da temperatura ou quando estou doida de fome.

Dois caixas, uma pequena fila, cinco pessoas. Na minha frente uma senhor com um saco enorme de pãezinhos, provavelmente pintor, já que tinha as mãos e roupas chuviscadas de tinta. Quando ele se dirige ao caixa, é atropelado pela empáfia metamorfoseada de ser humano, que ignorando a lei da física (aquela que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço), desconsidera os pães do pintor já colocados no balcão. O pintor balbucia uma menção à fila e a empáfia vestida de terno encontra deixa para seu discurso pronto sobre os direitos da terceira idade, proclamado com escárnio e ira desmedida. Ao bem da verdade e não da legalidade, aquilo sequer era uma fila.

O Senhor Empáfia deve tentar todos os dias disfarçar seu mau comportamento sob a legislação. O truque não funciona. Grosseria e falta de educação deixam até os direitos com gosto de ranço.

Os pãezinhos sentiram vergonha alheia e esfriaram-se imediatamente. Eu perdi o apetite e rumei para outras fermentações: abri uma cerveja sem brindes.