Não é de hoje que pego trem, ônibus apinhado, metrô, balsa e
cipó. Ônibus de viagem na estrada,
lotação poucas vezes ( Obrigada meus Deuses!) e avião talvez o número das falanges
das mãos e pés. A lei da física é
colocada a prova em todos eles, aquela
que diz que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço, ou algo
assim. Às vezes para desopilar o fígado,
aplacar a ira destilada ao plano de mobilidade urbana ( faz me rir) e conter o
espírito de barbárie, aquele que endossa o vale tudo para conseguir entrar,
sair, ou sentar (sentar é utopia), faço às vezes de antropóloga. Celulares não
vou falar hoje, pois rende compêndios, tratados, manifestos, contra a própria
espécie. Afinal, o propósito do blog é falar de comida.
De manhã o transporte público tem cheiro quente. Sentido na
pele quando uma mochila atravancante estaciona nas suas costas. Ou nas pernas,
herança familiar que impera e eu ofereço para segurar sacolas, saquinhos,
bolsas com fechos dourados e as danadas mochilas. Cheiro quente de bifes, que
adivinham o feijão gelado da janta.
Essa é a comida séria. As guloseimas são vespertinas e
noturnas, na volta para casa.
Já sentiu um cheiro rosa? Cheiro rosa exala do recheio de
bolachas suspeitas de crime. Crimes nutricionais , contrabando ou roubos de
cargas. Marcas que só se vê no trem e não resistem a luz do dia ou à
prateleiras dos mercados. É claro, sabor
morango! Ou do poético artifício da indústria alimentícia: frutas vermelhas.
Vale tudo, não é preciso troca ou
limpeza nas linhas de produção, só
quilos de corantes e aromatizantes e toda sorte de “antes”: espessantes,
conservantes, e por aí a fora.
Vende-se de tudo: remédio para calos, balas de gengibre para
tosse (mentira, é só açúcar, é claro que já comprei), caramelos refrescantes com recheio de lichia,
canela que refresca o hálito, anunciam os vendedores.
Ai que tenho fome... a viagem dura duas horas, com sorte!
Batatas “rufos” três pelo preço de uma, amendoins fritos sem colesterol! Chocolates com recheio cremoso de castanhas!
O estômago revira de fome e de asco! Chocolates nunca dantes vistos à luz do
dia! Só brotam nos trens e à noite! Olha o “gueitorede de crambola”, branda o vendedor também de cervejas, água e
sucos sinistros.
Verde de fome, descasco uma mexirica. O cheiro cítrico
incomoda os passageiros, o salgadinho de isopor listrado imitando bacon com
cheiro de chulé se ofende.
Tudo isso é lugar comum para mim, sem orgulho algum. Mas numa tarde de domingo eu e minha
marmitinha de almoço de páscoa presenciamos no metrô, linha verde, a degustação
de pacotinhos de macarrão instantâneo, crus, triturados com a bunda literalmente (os
comensais sentaram sobre as embalagens, para partir em diminutos pedaços os
macarrões prensados), salpicados como tempero dos sachês. Petisco pronto para
acompanhar o suposto wiskie de uma
garrafa pet, servido em copos próprios,
de vidro. Um pedante gourmet, como todos
os gourmet o são, proferiu: “O tempero do miojo é melhor”. Três segundos de silêncio.
“É...” atestou outro com a boca cheia de macarrão partido...
Não sou tão instantânea assim. Até agora não assimilei a liberdade do gosto.
Ciente do meu conservadorismo, busquei na rede e encontrei várias receitas com macarrão cru...Mais tarde
abri a geladeira e sussurrei com carinho para a marmitinha desnorteada:
_A frugalidade é dinâmica.
Ela deu de ombros. Eu também....
3 comentários:
Faz me rir, Lili.
Saudades!
Bjs.
Andreza, encara um miojinho com cerveja? vamos?
Fantastic!
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