quarta-feira, 12 de março de 2008

jabuticabas ressonantes

Nas últimas semanas, alguns dias desandaram, algumas horas embatumaram. Faltaram ingredientes, e os disponíveis não apeteciam. Afinal meu paladar sumiu! Isso não é recurso literário, mas sim, sintoma de investigação médica.
Paladar e parte do tato. Sutil, suave e morno, deixaram de existir. Crocante virou concreto triturado. Aos sabores mais fortes restavam a adivinhação, se eu estivesse no restaurante escuro descrito no blog sopa vermelha, comeria papelão sem me dar conta, afinal comia com os olhos. Tentava ressuscitar a memória gustativa soterrada em arquivos moribundos. Então a busca pelo sabor perdido foi afoita, desesperada e calórica:
_ Quem sabe um sorvete de coco com abóbora restabeleça a ordem?
_ Três é um número mágico, quem sabe no terceiro prato de arroz com feijão, a coisa toda se resolva...
Sem contar a pimenta cozinhando a mucosa, e nada!
Foi um festival de rasgar pacotes, abrir armários, sem contar o vinho que apesar da cor, foi o reverso do milagre: quase água; sacrilégio!
Picadas aqui, choques acolá e o medo de tornar-me íntima do pessoal da enfermagem.
A minha veia trágica instigada pela falta de tato do médico em revelar suas suspeitas, contribuíram para esse minha nova verdade: nascemos sozinhos, morremos sozinhos e entramos no tubo de ressonância magnética sozinhos! Logo eu, claustrofóbica! Tentei de tudo para me acalmar e nada. Patético: uma mulherona segurando uma campainha de borracha, que bem que poderia ser um patinho alegre e colorido, ao invés daquela coisa feia e preta, impregnada de digitais e desespero. Imaginei todas as tragédias que poderiam acontecer-me: ser esquecida enquanto o técnico saía para lanchar, os sons serem do alarme de incêndio, a máquina desregular e fritar-me como um salsichão, desmaiar e não conseguir apertar a campainha . Sem contar o ar que não bastava, não bastava. Rezei, mas... Lembrei-me do filme “O exorcista” onde a possuída faz uma série de exames em máquinas assustadoras. Também me lembrei dos relatos dos abduzidos a cerca das experiências extraterrestres. Jurava que era um ser cabeçudo que estava por trás do vidro, a dizer-me : _ vamos ter que interromper, fique quieta, não engula, não se mexa.
E eis que no meio da paranóia, uma benção adocicada se fez presente: jabuticaba. Foram desfilando na minha mente, casquinhas finas rompendo-se, pretinhas , expondo viscosidade branca e veiozinhos arroxeados. As pequeninas de sabor concentrado e também as grandonas, que compensam o pouco sabor, pela explosão na boca.
As danadinhas pipocando pelos troncos, agarradas quando verdes e despencando como colagem escolar quando maduras.
O ar faltava e dá-lhe mantra: ja-bu-ti-ca-ba, imagens de bacias repletas de bolinhas, sem casca, os caroços deslizando entre os dedos. Minha palma levando concha cheia para o céu da boca.
Saí já noite escura como casca, procurando-a nas banquinhas , mas já tinham ido dormir.
Sai o diagnóstico assustador e entra o novo: alergia rara.
O tato voltou assim como o paladar. A jabuticaba ficou para sempre e urgente, mas cadê? Não é época! Continuam ressonando:
“o olha a preta colada no tronco
Que mão do moleque
Arranca no toque...
O que bate na boca
Que a jabuticaba faz
Ploquet, pluft, nhoque
Faz ploquet, pluft, nhoque” (trilha do sítio do pica-pau-amarelo)
Alguém tem um pezinho com safra temporã?

2 comentários:

Fabrícia disse...

Lili estava com saudades de ti.... amei o texto como sempre.
Bjcas.

Anônimo disse...

Estava fazendo falta por aqui.Você atiçou minha vontade de comer jabuticaba. Taí algo que ainda não achamos por estas bandas. Beijos Joelma