“Só
sei que foi assim”, já dizia o personagem Chicó do Alto da Compadecida, narrando
as bizarrices de seu cotidiano.
Faço
uso de Chicó e de meu falecido avó, Carlos Magno, que por uma ironia genética,
esquerdista sem carterinha, era a cara do ex-presidente Figueiredo, autor da
frase: “Prefiro cheiro de cavalos a cheiro do povo”. Citações assim, não eram classificadas
como politicamente incorretas, era tempo de outras ditaduras. Mas isso é outra
história, o caso é que meu avó, por outras questões inexplicáveis, sem conhecer
Guimarães Rosa era mestre inventivo das palavras, uma delas era: “estive
ideiando uma coisa”...Usava a frase para
reflexões existencialistas, epifânias e divagações mundanas.
Então
andei ideiando sobre a construção do gosto e hábitos comidais. Alguém, que não o Chico, Carlos Magno ou
eu, disse que o maior órgão gustativo é
o cérebro, mais que a própria língua. Essa couve flor cinzenta sobre a qual quem tiver sorte será coberta por cabelos por toda
existência, define boa parte de nossas ojerizas
ou deleites diante dos alimentos ou de suas apresentações.
O
que fica sob às nossas moleiras por vezes será impar, justificará anomalias, perversões ou tão somente o gosto pessoal... mas, via de
regra tenderá pelo gosto culturalmente
de sua tribo. Por outras, negará mais que três vezes, seu apreço ou seu
desgosto. Mas, essa opção é apenas para os corajosos ou degredados.
Esse
conversê todo é para falar de farnéis, matulas, ou da tão somente e que baste: marmitas!
Falo sem pretensão de universalidade, apenas das paulistas. Mesmo assim, o
assunto rende Barsas (Para quem não é da época
o Santo Google irá iniciá-los no
mistério dos antigos).
Para
os bóias-frias cantados pelo Chico,
agora o Buarque e não o Chicó, nem sempre foram metálicas. Potes plásticos não
eram fatos consumados. As crianças levavam aos pais que trabalhavam nas
lavouras ou fábricas, pratos emborcados e envoltos em panos; a dita bóia.
Comida
de pobre! Fosse arroz, feijão e macarrão (credo! Olha o cinzento falando...).
ou bouef a borguinon, se levasse comida de casa, seu status era encardido de pobreza. Quem não era, comia nos bares, restaurantes e botecos, ainda que
fosse uma gororoba medonha...Poucos comiam em casa (pasmem, as pessoas moravam
perto do trabalho!). A comiseração pela marmita era guardada aos doentes do
estômago e suas dietas infelizes.
E
à moda de Carlos Magno, descente indecente que sou, pego-me ideiando sobre as marmitas contemporâneas.
Da “releitura” dos restaurantes transados: de ágata, indianas, cerâmicas
artísticas. Das filas que inviabilizam
os restaurantes a quilo. Da grana pouca de ontem e de hoje, que limitam os hamburgures bons enquantos
quentes. Dos Fantásticos da vida e seus similares que propagam os malefícios da
vez dos alimentos, dos Sugars Blues e Sais Assassinos, dos orgânicos e das odes
ao naturalismo das suas hortas e jardins.
Movimento...
sempre movimento! De escárnio ao que se popularizou ao mais puro sinônimo de
distinção. A rabada é chique ( buchada ainda não) , cortes de carnes que ascedem à escala social.
Ideiando
sobre o meu passado trabalhista, vem a minha mente os ladrões de mistura. Facínoras que trabalhavam em fábricas
desprovidas de restaurantes, que abriam furtivamente as dezenas de marmitas que
ficavam nos aquecedores de banho-maria. Poupavam o arroz com feijão, mas
levavam os bifes...
Uma
vez, fui vitima de um ladrão com princípios: levou meu bife à role, mas deixou
seu ovo frito...
A
distinção era a pimenta familiar: acondicionada em potes de maionese: sinônimo
hellmanns. A farinha de outros...Hoje: o azeite de prensagem prima e preciosa
flor de sal de gueránde.
O
meu ideiamento não é temperado de criticidade, só a de humanidade:
Frankeinstein Chicó-Janio- Berman:
“Só
sei que é assim: como-las porque são sólidas e se desmancham no ar”...
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