quarta-feira, 3 de abril de 2013

Marmitas concretas




“Só sei que foi assim”, já dizia o personagem Chicó do Alto da Compadecida, narrando as bizarrices de seu cotidiano.
Faço uso de Chicó e de meu falecido avó, Carlos Magno, que por uma ironia genética, esquerdista sem carterinha, era a cara do ex-presidente Figueiredo, autor da frase: “Prefiro cheiro de cavalos a cheiro do povo”. Citações assim, não eram classificadas como politicamente incorretas, era tempo de outras ditaduras. Mas isso é outra história, o caso é que meu avó, por outras questões inexplicáveis, sem conhecer Guimarães Rosa era mestre inventivo das palavras, uma delas era: “estive ideiando uma coisa”...Usava a frase  para reflexões existencialistas, epifânias e divagações mundanas.
Então andei ideiando sobre a construção do gosto e hábitos comidais.  Alguém, que não o Chico, Carlos Magno ou eu,  disse que o maior órgão gustativo é o cérebro, mais que a própria língua.  Essa couve flor cinzenta sobre a qual  quem tiver  sorte será coberta por cabelos por toda existência, define boa parte de nossas ojerizas  ou deleites diante dos alimentos ou de suas apresentações.
O que fica sob às nossas moleiras por vezes será impar,  justificará anomalias, perversões ou  tão somente o gosto pessoal... mas, via de regra tenderá pelo gosto culturalmente  de sua tribo. Por outras, negará mais que três vezes, seu apreço ou seu desgosto. Mas, essa opção é apenas para os corajosos ou degredados.
Esse conversê todo é para falar de farnéis, matulas, ou da tão somente e que baste: marmitas! Falo sem pretensão de universalidade, apenas das paulistas. Mesmo assim, o assunto rende Barsas (Para quem não é da época  o  Santo Google irá iniciá-los no mistério dos antigos).
Para os bóias-frias  cantados pelo Chico, agora o Buarque e não o Chicó, nem sempre foram metálicas. Potes plásticos não eram fatos consumados. As crianças levavam aos pais que trabalhavam nas lavouras ou fábricas, pratos emborcados e envoltos em panos; a dita bóia.
Comida de pobre! Fosse arroz, feijão e macarrão (credo! Olha o cinzento falando...). ou  bouef a borguinon, se  levasse comida de casa,  seu status era encardido de pobreza.  Quem não era, comia  nos bares, restaurantes e botecos, ainda que fosse uma gororoba medonha...Poucos comiam em casa (pasmem, as pessoas moravam perto do trabalho!). A comiseração pela marmita era guardada aos doentes do estômago e suas dietas infelizes.
E à moda de Carlos Magno, descente indecente que sou,  pego-me ideiando sobre as marmitas contemporâneas. Da “releitura” dos restaurantes transados: de ágata, indianas, cerâmicas artísticas.  Das filas que inviabilizam os restaurantes a quilo. Da grana pouca de ontem  e de hoje,  que limitam os hamburgures bons enquantos quentes. Dos Fantásticos da vida e seus similares que propagam os malefícios da vez dos alimentos, dos Sugars Blues e Sais Assassinos, dos orgânicos e das odes ao naturalismo das suas hortas e jardins.
Movimento... sempre movimento! De escárnio ao que se popularizou ao mais puro sinônimo de distinção. A rabada é chique ( buchada ainda não) ,  cortes de carnes  que ascedem à escala social.
Ideiando sobre o meu passado trabalhista, vem a minha mente os ladrões de mistura.  Facínoras que trabalhavam em fábricas desprovidas de restaurantes, que abriam furtivamente as dezenas de marmitas que ficavam nos aquecedores de banho-maria. Poupavam o arroz com feijão, mas levavam os bifes...
Uma vez, fui vitima de um ladrão com princípios: levou meu bife à role, mas deixou seu ovo frito...
A distinção era a pimenta familiar: acondicionada em potes de maionese: sinônimo hellmanns. A farinha de outros...Hoje: o azeite de prensagem prima e preciosa flor de sal de gueránde.
O meu ideiamento não é temperado de criticidade, só a de humanidade: Frankeinstein  Chicó-Janio- Berman:
“Só sei que é assim: como-las porque são sólidas e se desmancham no ar”...





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